25 agosto, 2010




O alfabeto poético

A primeira letra do alfabeto é também a primeira letra da palavra amor e se acha
importantíssima por isso!
Com
A se escreve "arrependimento" que é uma inútil vontade de pedir ao tempo
para voltar atrás e com A se dá o tipo de tchau mais triste que existe: "adeus"...
Ah, é com A que se faz "abracadabra", palavra que se diz capaz de transformar
sapo em príncipe e vice-versa...

Com
B se diz "belo" - que é tudo que faz os olhos pensarem ser coração; e se dá a
"bênção", um sim que pretende dar sorte.

Com C, "calendário", que é onde moram os dias e o "carnaval", esta oportunidade
praticamente obrigatória de ser feliz com data marcada. "Civilizado" é quem já
aprendeu a cantar ´parabéns pra você` e sabe o que é "contrato": "você isso,
eu aquilo, com assinatura embaixo".

Com D, se chega à "dedução", o caminho entre o "se" e o "então"...
Com D começa "defeito", que é cada pedacinho que falta para se chegar à
perfeição e se pede "desculpa", uma palavra que pretende ser beijo.

E tem o E de "efêmero", quando o eterno passa logo; de "escuridão", que é o
resto da noite, se alguém recortar as estrelas; e "emoção", um tango que ainda
não foi feito. E tem também "eba!", uma forma de agradecimento muito utilizada
por quem ganhou um pirulito, por exemplo...

F é para "fantasia", qualquer tipo de "já pensou se fosse assim?"; "fábula", uma
história que poderia ter acontecido de verdade, se a verdade fosse um pouco mais
maluca; e "", que é toda certeza que dispensa provas.

A sétima letra do alfabeto é G, que fica irritadíssima quando a confundem com o J. G,
de "grade", que serve para prender todo mundo - uns dentro, outros fora;
G de "goleiro", alguém em quem se pode botar a culpa do gol; G de "gente": carne,
osso, alma e sentimento, tudo isso ao mesmo tempo.

Depois vem o H de "história": quando todas as palavras do dicionário ficam à
disposição de quem quiser contar qualquer coisa que tenha acontecido ou sido inventada.

O I de "idade", aquilo que você tem certeza que vai ganhar de aniversário,
queira ou não queira.

J de "janela", por onde entra tudo que é lá fora e de "jasmim", que tem a sorte
de ser flor e ainda tem a graça de se chamar assim.

L de "", onde a gente fica pensando se está melhor ou pior do que aqui;
de "lágrima", sumo que sai pelos olhos quando se espreme o coração, e de
"loucura", coisa que quem não tem só pode ser completamente louco.

M de "madrugada", quando vivem os sonhos...

N de "noiva", moça que geralmente usa branco por fora e vermelho por dentro.

O de "óbvio", não precisa explicar...

P de "pecado", algo que os homens inventaram e então inventaram
que foi Deus que inventou.

Q, tudo que tem um não sei quê de não sei quê.

E R, de "rebolar", o que se tem que fazer pra chegar lá.

S é de "sagrado", tudo o que combina com uma cantata de Bach; de
"segredo", aquilo que você está louco pra contar; de "sexo": quando
o beijo é maior que a boca.

T é de "talvez", resposta melhor que ´não`, uma vez que ainda deixa,
meio bamba, uma esperança... de "tanto", um muito que até ficou tonto...
de "testemunha": quem por sorte ou por azar, não estava em outro lugar.

U de "ui", um ái que ainda é arrepio; de "último", que anuncia o começo
de outra coisa; e de "único": tudo que, pela facilidade de virar nenhum,
pede cuidado.

Vem o V, de "vazio", um termo injusto com a palavra nada; de "volúvel"
uma pessoa que ora quer o que quer, ora quer o que querem que ela queira.

E chegamos ao X, uma incógnita... X de "xingamento", que é uma palavra
ou frase destinada a acabar com a alegria de alguém; e de "",
única palavra do dicionário das aves traduzida para o português.

Z é a última letra do alfabeto, que alcançou a glória quando foi usada
pelo Zorro... Z de "zaga", algo que serve para o goleiro não se sentir
o único culpado; de "zebra", quando você esperava liso e veio listrado;
e de "zíper", fecho que precisa de um bom motivo pra ser aberto; e de
"zureta", que é como fica a cabeça da gente ao final de um dicionário inteiro.
(Gilmara Pessoa)


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